Estive nos dias 23 e 24 desse mês participando da II Conferência Municipal da Mulher. Foram 2 dias interessantes, e uso esse termo porque foi a palavra mais neutra que encontrei neste momento, visto que nunca fui atraída por política e em muitas vezes a forma como tais espaços democráticos são estruturados me incomodam - objetiva-se a representatividade da gestão e da sociedade civil de forma justa em suas contribuições, mas foi visível o quanto a gestão utilizou-se do espaço como palanque político. O primeiro dia (23.08) foi praticamente só pra isto: Micarla e Rosalba roubando a cena e atrasando todo o evento, fazendo com que a sociedade civil tivesse um prejuízo imenso no seu tempo de fala. A apresentação da avaliação das ações e Políticas Públicas desenvolvidas para as mulheres à nível federal, estadual e municipal mostrou claramente o quanto a gestão está no nível teórico e idealista, e o quanto a sociedade civil organizada é quem realmente fazem as coisas acontecerem dentro das realidades específicas. A fala da Profa. Telma Gurgel foi aplaudida em uníssono, quando emocionada falou sobre a submissão das mulheres ao poder patriarcal operante, exatamente o que tinha acontecido na manhã daquele dia.
No dia 24.08 foram os dias dos GTs. O objetivo principal da II Conferência era a consolidação do I Plano de Políticas para Mulheres tendo como base o documento conclusivo da I Conferência Municipal da Mulher. Assim, pela manhã, os GTs trabalharam na re-avaliação das propostas do documento já existente, alterando-as, suprimindo-as e acrescentando novas propostas. Na plenária final, pela tarde, era o momento de cada eixo de ação mostrar as propostas aprovadas por grupo e colocá-las para votação aberta. O que fosse aprovado pela maioria, entraria no Plano de Políticas Públicas Municipal, a ser executado nos próximos 2 anos. Foi aí que o circo pegou fogo! Mais de 5 horas exaustivas avaliando proposta por proposta, ponderando palavra por palavra, incluindo e excluindo recortes específicos; uau, que complicado!
Atualmente trabalhando com as grávidas e vendo de perto as situações que elas enfrentam tanto no SUS quanto na rede particular, no que diz respeito especialmente à não aplicação de seus direitos enquanto consumidora e à violência institucional obstétrica por parte dos profissionais de saúde (e vista pela maioria como normal), me senti instigada a estar presente e levar propostas em nome do R.A.M.A. (Rede de Apoio à Maternidade Ativa) em parceria com a Parto do Princípio. Mas com cada uma levantando sua bandeira de forma tímida ou declarada, e eu me incluo nisto, sempre há aquela parte que irá sair se sentindo lesada e excluída. É difícil agradar gregos e troianos!
Conseguimos aprovar 3 propostas no eixo 'Saúde da Mulher, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos', são elas:
- Sistematização da Capacitação de Doulas Comunitárias na Rede Municipal de Natal.
- Sensibilização e capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento humanizado (físico e mental) às mulheres em situação de aborto inseguro; incluindo o acompanhamento às gestantes no pré-natal, parto, pós-parto e amamentação (agentes de saúde e enfermeiras).
- Garantir o direito de escolha, pela usuária, do tipo de parto de acordo com a Cartilha dos Direitos da Mãe e do Bebê do MS, Unicef e OMS.
Infelizmente não conseguimos aprovar nada relacionado especificamente à Violência Institucional Obstétrica, pois como fazíamos parte do eixo 'Saúde das Mulheres, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos' tivemos que incluir uma referência a este tipo de violência dentro das propostas do eixo 'Igualdade de Gênero e Enfrentamento a todas as formas de Violência contras as Mulheres' já durante a plenária final; como a maioria não estava atenta às explicações que foram dadas por nós sobre o significado do termo Violência Institucional Obstétrica, na hora da votação não se sentiram seguras de votar em algo que não sabiam o quê é exatamente. Uma pena, pois tenha certeza que muitas delas passaram ou tiveram alguém próximo que já foi vítima desta agressão tida como normatizada por parte das instituições, principalmente porque tem haver com as relações de poder existentes entre médicos e pacientes (que como o nome já diz, têem que ter paciência, e não protagonismo). A prova disto foi o relato emocionado de Sumaia Ferreira do Nascimento Silva, que teve sua filha de 15 anos vítima de violência obstétrica. "Minha filha chegou na maternidade tendo contrações e a médica de plantão fez um toque quase com a mão toda, minha filha gritou e eu chorei com a dor dela. Aí a médica falou: na hora de fazer você não chorou e nem era criança né?". Taí um exemplo típico de violência obstétrica que acontece todos os dias em todos os hospitais do país! ABSURDO!!!
Para mim foi claro perceber a existência de uma compressão múltipla sobre o Ser Mulher na sociedade por parte das várias mulheres. Há aquelas que se sentem acolhidas e defendidas por leis que são patriarcais e há aquelas que indagam de forma ferrenha tais leis e, assim, o próprio sistema vigente em si. Mas independente do seu olhar sobre a dinâmica estrutural do sistema, é nítido perceber a complexidade de cores, faces e bandeiras que estas mulheres levantam, representadas em grupos tais como GAMI, GAM, AMI, Coletivo Leila Diniz, Bandeira Lilás, etc; todas relacionadas às suas histórias de vida e aos preconceitos e dificuldades enfrentadas - lésbicas, negras, portadoras do HIV/AIDS, profissionais do sexo, viúvas, etc. Elas gritam sobre os direitos das mulheres em escolher seus caminhos dentro do sistema patriarcal, indo além das concepções tradicionais da família e da mulher em si: as escolhas sobre seus corpos (se querem vendê-los, se querem abrigar um filho no ventre, se querem tirar esse filho do ventre); o respeito sobre sua orientação sexual; a autonomia econômica, indo além da divisão sexual do trabalho, excluindo o trabalhado invisível e não-remunerado realizado exclusivamente pela maioria das mulheres; e muitas outras questões específicas que são oriundas de um processo histórico social de estupro declarado ao Ser Feminino. Ou seja, o que todas as mulheres presentes querem é ter autonomia e liberdade para existir e SER no mundo, e isto não é pedir nada, é nosso DIREITO!
3 comentários:
Foi uma honra ir com voce na conferenca e levar propostas nossas e do parto do Principio a quem eu mando um immenso Abraco..
Agora vamos batalhar pra Conferenca Estadual!!!
Bjos linda..
Que o trabalho (de formiguinha) de vcs,seja tão alcançador como foi e é do parto do principio.
É necessário a informação à todas,mesmo aquelas que preferem continuar acreditando no "sistema"
Parabéns pela iniciativa e envio vibrações para todas que ajudam as mulheres a resgatarem seus poder de transformação em uma sociedade tão machista e que, infelizmente, nós contribuímos em parte para que isto ainda exista. Namaastê! Mirian
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