Estive refletindo sobre o sentido
do sagrado. Nesses dias que se passaram, ouvi falas de pessoas fortes sobre
suas histórias de vida e indicações do sacro que habita seus corpos, sejam eles
quantos forem e para onde se estendem.
Todas elas estavam baseadas em suas memórias: positivas ou não,
temporais ou não, espaciais ou não, empíricas ou apenas teóricas, pouco
importa, são memórias. Eu sou cheia delas! Ás vezes tenho a sensação que
conheço pessoas que estou vendo pela primeira vez, mas que em algum lugar de
minhas memórias me são familiares; em outros momentos saboreio uma canjica
daquelas que derrete na boca e volto para os dias de São João de minha
infância; há ainda os instantes em que me identifico na palavra e olhar do
Outro, e ao me encontrar neles vejo o quanto existe uma sabedoria inata e
ancestral que nos une e o quanto os nossos aprendizados, sejam eles oriundos
das mais diversas e diferentes situações, tendem a nos conduzir para esta
sabedoria, basta que estejamos abertos a reconhecer a humanidade que habita a
divindade que somos.
Conversando com alguém sobre o
sagrado feminino, me deparei com a seguinte pergunta:
- E como está o seu sagrado feminino?
- Cada vez mais sagrado, disse eu.
Depois de alguns segundos
refletindo sobre o sentido do sagrado para cada um, perguntei:
- É sobre o sangue menstrual que você está falando?, tentando
encontrar alguma pista do quê era sagrado pra ela.
- Não, sobre o pecado de Eva mesmo! disse ela e se calou.
Passei vários dias tentando
decifrar o tanto de sacralidade que estava associada à palavra pecado para esta
pessoa. Para ela, que teve gravidezes complicadas, um parto terrivelmente dolorido
e um mioma no ovário que resultou em uma esterectomia, se considerar pecadora pode
ser uma forma de confortar seu coração de mulher cristã. Para mim, que tive uma
educação cristã, mas que encontro o sacro em outras religiões e manifestações
espirituais, o sagrado pode sim se aproximar do conceito do pecado, mas
simplesmente porque o próprio conceito cristã de pecado é
uma deturpação da sacralidade ancestral, exatamente àquela sabedoria que nos
une e que falei antes.
A alguns dias atrás encontrei uma
outra mulher, com uma história de vida particular, mas com um conceito de
sagrado oriundo do sofrimento que tem como base um aprendizado positivo e não
martirizador. Ela também teve que tirar seus ovários e útero por causa de um cancêr, e depois de
alguns anos pra entender os ensinamentos que isto estava te trazendo sobre a
vida como um todo, depois de superar a angústia de não poder ser mãe, esta
mulher resolveu ser feliz e agradecida à vida pela própria vida em si, com sua
multiplicidade de fatores e peculiaridades. Ela decidiu deixar de lado a culpa,
que à liga ao passado, e o medo, que à liga ao futuro, ambos tempos
inexistentes, e começou a atuar ativamente no presente, o único tempo que existe
e que ela pode influenciar realmente.
Ela resolveu não dormir com nada dentro dela, não alimentando nenhum sentimento
ou emoção que possa a fazer adoecer de novo, em qualquer um dos níveis –
físico, emocional, mental, espiritual. Assim, ela é sincera, doa a quem doer, e vive a sua
vida da forma que acredita e quer, sem estimular prisões mentais. É uma mulher fortíssima,
lindíssima, com a força da mulher selvagem correndo nas veias.
Um amigo me falou que precisamos
agradecer mais, e percebi o quanto eu sou agradecida à Vida, o quanto agradeço
sem nem ao menos pensar, em minhas ações rotineiras; mas, assim como os ritos
de passagem, os ritos de agradecimento à algo são de extrema importância para
que possamos abrir energeticamente os nossos caminhos e permitir que a onda
flua, siga, e não estagne. Se plantarmos flores mas, ao invés de regá-las com
amor e cuidado, dedicarmos um mísero tempo de nossas vidas atribuladas à elas,
tornando rotina aquilo que é encantado e mágico - a semente saindo de sua
dormência e brotando lindas mandalas florísticas – colheremos apenas cores
fracas e sem vida.
Dentro de toda esta
reflexão do sagrado que somos e nos habita, e é a vida que nos rodeia,
novamente me deparo com a teia: das aranhas, das tecelãs, das parteiras
(tecedoras dos dois mundos) - nossa teia que abriga nossas memórias, nossas
histórias de vida e nosso olhar sobre o Universo!
Somos um círculo, dentro de um círculo – sem princípio e sem final!
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